Patrimônio Histórico Nacional: Patrimônio de todos nós

Perfil Militar do Brasil-Colônia

Elcio Rogerio Secomandi 


Linha do tempo, em http://www.secomandi.com.br/Arquitetura/Imagens/LinhaDoTempo.jpg

A palavra fortificação e suas derivadas _ fortim, forte, fortaleza, reduto, bateria _, definida como “arte ou ação de organizar, por meio de construções militares, a defesa de uma região” (Larousse), nos conduz inicialmente ao estilo épico e perfil militar da lendária Guerra de Troia (c.1200 a C.)[1]. Aprende-se muito com a leitura desta epopeia e de outros “arquivos” que registram grandes erros e acertos cometidos ao longo da História. Muitos estudiosos _ eu, inclusive_ se encantam com descrições poéticas como a que enaltece Aquiles: “a morte não consegue expor nele nada que não seja belo” (Ilíada; 22.73).

Uma leitura com perfil militar daquela epopeia nos permite concluir que Troia “fechou-se” dentro de suas muralhas inexpugnáveis, não dando a devida atenção a Ilha de Tênedo, situada diante da cidadela troiana. A ilha deu cobertura e abrigo para a aproximação, concentração e desdobramento da esquadra grega. Agamêmnon esperou o momento certo e ventos favoráveis para lançar uma “cabeça-de-ponte” diante de Troia, ancorando seus “mil navios” nas praias próximas, também desguarnecidas. Após 10 anos de ocupação das praias troianas, a ilha serviu novamente como fator decisivo para a “finta” grega, dando, mais uma vez, cobertura de vistas para a pseudo-retirada da enorme esquadra de Agamêmnon. Priamo, rei dos troianos, aceitou o famoso “presente grego”, supondo que a esquadra havia partido para a longínqua Grécia. 

Naturalmente não há relação direta entre uma lenda da Antiguidade Clássica e a expansão marítima dos povos ibéricos na Idade Moderna, exceto pelo estilo épico das grandes descobertas e pela leitura crítica sobre os erros estratégicos não previsíveis na cultura militar daquela época. Mas, sem dúvida, nossos colonizadores foram buscar ensinamentos nas lições da História ao ocuparem militarmente pontos sensíveis que pudessem colocar em risco a integridade da metrópole e das suas possessões ultramarinas. A defesa da Lisboa antiga, por exemplo, começava no Farol da Roca _voltado para o mar aberto_ e se estendia até as proximidades da cidade _voltada para o Tejo_, protegendo todas as praias contra possíveis desembarques de tropas e posteriores aproximações por terra. Hoje, lindas fortificações permanecem de pé, desafiando as intempéries e o longo passar dos tempos _ patrimônio histórico nacional. 

No Brasil, ressalta o amigo e correspondente, Arnaldo Medeiros Ferreira, major-general reformado do Exército de Portugal e historiador militar que muito aprecio: 
“A posse dos territórios descobertos com as grandes navegações oceânicas pelos portugueses impôs, logo de início, que a ocupação e defesa dos primeiros lugares de interesse estratégico fossem assegurados com o seu povoamento e fortificação em simultâneo, por vezes constituindo ‘feitorias’ que tinham de ser ‘autossuficientes’ devido ao seu isolamento, em face das longas distâncias que as separavam, entre si, tornando praticamente inviável o oportuno apoio mútuo.” 

Por esta e outras razões geopolíticas, um verdadeiro “colar de fortificações” foi erguido no perímetro da América de origem portuguesa. A cidade de Fortaleza _ e seu próprio nome _ surgiu no entorno da Fortaleza da Nossa Senhora da Conceição (1611/1649). O Forte dos Reis Magos (1594) deu origem a Natal e assim por diante .... Na fronteira terrestre, muitas destas fortificações foram erguidas com auxilio de organizações paramilitares _bandeiras, criadas por D. Sebastião, 1579_ compostas por habitantes da terra, repartidos em dez esquadras com 25 homens cada: 

"Os bandeirantes estiveram sempre presentes, na ocupação e defesa do território, na demarcação das nossas fronteiras e no embrião de uma organização militar capaz de conservar intacto o imenso patrimônio territorial brasileiro" (EME, 1972, V1, p. 217 / 234).

E toda esta fantástica história de povoamento e conquistas territoriais começou na antiga Capitania de São Vicente e se encerrou com o Tratado de Madrid de 1750, posteriormente retificado pelo Tratado de Santo Ildefonso de 1777. 

Hoje, o Brasil não espera a aproximação de “mil navios” e nem de forças armadas regulares ao longo de mais de 14.000 kms de fronteira que divide com nações amigas. Mantém, contudo, a mesma estratégia dissuasória, com especial atenção para outras ameaças adversas e não declaradas que possam colocar em risco a integridade e a inviolabilidade do espaço geográfico que abriga este nosso imenso país. 

No comando deste longo processo evolutivo muitos soldados anônimos estiveram sempre presentes nos momentos importantes da formação da nossa nacionalidade. E tudo começou _e prossegue_ tendo como principal forma de atuação a presença dissuasória nas regiões onde, outrora, nossos antepassados ergueram magníficos exemplares da arquitetura militar de defesa em posições fixas. Por outras palavras:_ apesar das enormes distâncias para alcançar as praias tropicais e o oeste bravio do Brasil continente, Portugal não deixou em nossas mãos um “presente grego”, mas sim, muitos componentes culturais do “DNA” de uma Nação, dos quais dois são extremos e inseparáveis: as fortificações, tangíveis, e o idioma, intangível. 

 Mas, há muito tempo as fortificações coloniais perderam a aptidão para o “combate”. Urge agora não perdê-las na poeira do tempo. 

Com este propósito – não perdê-las na poeira do tempo –, diversos segmentos da sociedade brasileira estão somando esforços no sentido de conscientizar os dirigentes das instituições públicas e privadas a darem maior atenção ao alerta do historiador britânico Arnoud J. Toynbee: “As lições da História são como uma carta náutica para o navegante, a quem cabe escolher a rota a seguir e traçá-la devidamente na carta”. 
É preciso, portanto, dar prosseguimento a esta fantástica epopeia portuguesa e bandeirante, mesmo que, para isso, tenhamos que buscar inspiração na mitologia grega. 

Para a consecução deste objetivo, algumas instituições públicas e privadas, capitaneadas pela Universidade Federal de Santa Catarina, estão irradiando Brasil afora um projeto que surgiu no Espacio Cultural Al Pie de la Muralla, em Montevidéu. Assim é que, entre 20 e 26 de outubro próximo, acontecerá no Rio de Janeiro o 8º Seminário de Cidades Fortificadas, sob coordenação da DPHCEx - Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina, o Espacio Cultural Al Pie de la Muralla, a Universidade Federal do Rio de Janeiro/LTDS/COPPE e a FunCEB _ Fundação Cultural Exército Brasileiro: http://8seminariocidadesfortificadas.blogspot.com.br ou http://cidadesfortificadas.ufsc.br

Venha junto!!! 

(*) Perfil Militar do Brasil-Colônia 

__ Síntese das palestras proferidas recentemente: 

1) Dia 08/03/2012,no Espacio Cultural Al Pie de la Muralla, Montevidéu, para a Asociación de Amigos de las Fortificaciones, com apoio do Ministério do Turismo e Departamento de Estudios Historicos do Exército do Uruguai; 

2) Dia 23/04/2012, no Palácio Marques do Lavradio, Lisboa, para oficiais e historiadores das Diretorias de Infraestrutura e de História e Cultura do Exército de Portugal e da Associação Amigos dos Castelos; 

3) Dia 06/06/2012, no LTDS/COPPE/UFRJ, para doutorandos e pesquisadores do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social. 

__ Um case de sucesso: 

Circuito dos Fortes, Versão Colonial_ uso do sistema colonial de defesa do Porto de Santos como equipamento para o turismo histórico-cultural. 

Website provisório e em desenvolvimento: 



Elcio Rogerio Secomandi 
Coronel de Artilharia, Rfm 
Professor Emérito da Universidade Católica de Santos 
Membro do Conselho Técnico-Consultivo da FunCEB 
Ocupa a Cadeira Nº 4, Visconde de Taunay, no IHGS_ Instituto Histórico e Geográfico de Santos 






[1] McCullough, Colleen, 1937-. A canção de Tróia; tradução de Maria D. Alexandre – 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.